Psicanálise não é cura — é espelho: entenda a diferença
“Psicanálise não é cura — é espelho.”
Dizer isso é provocar. Afinal, quem sofre quer alívio, quer sumiço do sintoma, quer a promessa de um depois sem dor.
Mas e se o sintoma for a linguagem do que em você ainda está vivo?
E se o que você chama de cura for só um novo disfarce para continuar não se vendo?
A psicanálise incomoda porque, em vez de tapar o buraco, ela aponta o dedo para dentro dele.
Este artigo propõe um poema, uma reflexão filosófica e um olhar clínico sobre por que a psicanálise não alivia — ela revela. E por que isso, apesar de mais difícil, é infinitamente mais transformador.
Poema
Fui buscar alívio, recebi um espelho.
Não era veneno, era reflexo.
Não era cura, era corte.Vi a criança que chorei em silêncio,
O desejo que engoli a seco,
E o grito que disfarcei com riso.Não saí melhor.
Saí mais eu.
Psicanálise não é cura — é espelho
A cura implica fechamento. A psicanálise implica abertura.
A cura sonha com um fim. A psicanálise revela um início.
Na escuta analítica, não se oferece solução — se oferece espaço.
Espaço para o sujeito ouvir a si mesmo sem máscaras, sem muletas, sem a fantasia de que é possível existir sem conflito.
“Quem busca alívio está fugindo. Quem encara o espelho, está voltando para casa.”
— É isso que Cioran, Camus, Kafka escreveram com outras palavras: não há saída do absurdo. Há apenas lucidez.
Um olhar filosófico
Nietzsche escreveu: “Torna-te quem tu és.”
Mas para isso, você precisa saber quem você não é — e isso dói.
Dostoiévski mostrou que o homem é capaz de conviver com sua própria infâmia enquanto conseguir negá-la com alguma justificativa moral.
Schopenhauer disse que a vida oscila entre a dor e o tédio. E que quem se dá conta disso de verdade não busca cura, mas sentido.
Celine zombou da sanidade. Bukowski vomitou a hipocrisia da alegria performática.
E todos eles, à sua maneira, apontaram: ver-se é o início de uma ruptura. E a psicanálise é só o espelho em que essa ruptura começa.
Uma escuta clínica
Na clínica, o sintoma não é problema. É pista.
Quando alguém diz “quero me livrar disso”, o analista ouve: “quero me livrar de algo que sou, mas não suporto saber que sou”.
A escuta psicanalítica não conduz à normalidade. Ela conduz ao sujeito.
E isso é infinitamente mais difícil — mas também mais verdadeiro.
O que você pode fazer agora
- Pare de buscar conserto. Você não está quebrado. Está escondido.
- Desconfie de soluções rápidas. Elas aliviam, mas não revelam.
- Anote suas repetições. O que retorna, insiste. O que insiste, quer dizer algo.
- Considere o espelho. Uma análise começa quando você aceita não ser entendido de imediato — nem por você mesmo.
Conclusão
A psicanálise não vai te curar. Vai te virar do avesso.
E nesse avesso, você talvez encontre algo que nunca conheceu: você mesmo — nu, imperfeito, verdadeiro.
Se você quer seguir sendo quem sempre foi, fuja da psicanálise.
Mas se já não consegue mais sustentar o personagem — sente-se. E escute.